A Mosca
“A Mosca”, filme de 1986 dirigido pelo David Cronenberg é um dos filmes de ficção científica da década de 1980 que permeou o imaginário das pessoas por tratar-se de explorar os limites éticos da ciência. O filme, estrelado por Jeff Goldblum e Geena Davis, é uma releitura do filme A mosca da cabeça branca de 1958 um filme visceral em seu tempo.
A trama do filme gira em torno do cientista excêntrico Seth Brundle (Jeff Goldblum) que trabalha num projeto inovador de teletransporte, semelhante aos teletransportes usados nas séries de Star Trek. Brundle conhece a jornalista Veronica Quaife (Greena Davis) num evento de divulgação cientítica. Decidido a compartilhar o seu trabalho a jornalista documenta o progresso e os dois acabam se envolvendo numa trama romãntica.
O teletransporte, que inicialmente era uma descoberta revolucionário, tem uma reviravolta trágica quando Brundle decide testá-lo em si mesmo. Ao entrar na cápsula de transporte para testá-lo, uma mosca entra junto com ele, resultando numa fusão genética entre homem e inseto. Nas primeiras horas após o experimento Brundle tem a sensação de estar mais forte, acreditanto que de alguma forma foi aprimorado. No entanto, logo se torna evidente que algo estava totalmente errado.
Com o avanço do filme, Brundle sofre transformações grotescas, tanto físicas quanto psicológicas. Seu corpo vai gradualmente se deteriorando e desenvolvendo as características de uma mosca enquanto sua mente se fragmenta. Essa metamorfose, que lembra A Metamorfeose de Kafka, é apresentado com efeitos impressionantes e perturbadores, que foram inovadores para época. O trabalho liderado por Chris Walas possibilitou ganhar o Oscar de melhor maquiagem, um testemundo do impacto visual e emocional que as transformações de Brundle causaram no público.
Veronica, incrédula com a situação, é forçada a assistir impotente a transformação do cientista, apelidada de Brundlefly. Sua luta para ajudar Brundle é tocante e ao mesmo tempo trágica mostrando uma dor psicológica de ver alguem a quem se ama se desintegrar. O relacionamento entre os dois é a estrutura basilar do filme e a atuação de Davis traz uma profundidade emocional que constrata com o horror corporal de Brundle.
O filme é mais do que um filme de ficção científica; é a exploração das consequências ambiciosas de um cientista que de forma desmedida procura transcender suas limitações naturais. Cronenberg utiliza o corpo humano como um campo de batalha para explorar conceitos filosóficos e morais, questionando os limites éticos da ciência que desafiam a natureza. A transformação de Brundle é uma metáfora poderosa para a destruição que muitas vezes acompanha a inovação científica quando esta não é temperada pela ética e pela consideração das consequências.
A narrativa de “A Mosca” é apoiada por uma trilha sonora sombria e atmosférica composta por Howard Shore, que complementa perfeitamente o tom trágico e horrífico do filme. A cinematografia de Mark Irwin também contribui significativamente para a atmosfera claustrofóbica e tensa, utilizando enquadramentos apertados e iluminação sombria para refletir a deterioração mental e física de Brundle.
Simbolismo do filme A Mosca
A transformação de Brundle denota a destruição de sua identidade e a perda da humanidade. No decurso do filme ele vai se transformando fisicamente, perdendo gradualmente suas características humanas sugerindo a fragilidade da identidade humana. O cientista muda fisica e psicologicamente, demonstrando que nossa excência está intimamente ligada ao nosso corpo.
O teletransporte, visto como uma invenção a frente do seu tempo, representa os perigos da ambição sem freios e da manipulação genética. A fusão de Brundle com o inseto representa um aviso sobre as consequências desastrosas que a ciência enfrenta quando as pesquisas são realizadas sem uma régua ética elevada. O filme aborda o medo do desconhecido e a arrogância do homem ao tentar dominar forças além de sua compreensão e controle.
O processo de transformação de Brundle também pode ser interpretado como uma metáfora para a perda de controle pessoal. À medida que ele se torna “Brundlefly”, ele perde a capacidade de controlar suas ações e instintos, sucumbindo a impulsos primitivos e violentos. Este aspecto do filme reflete o medo humano de perder o controle sobre si mesmo, seja por meio de vícios, doenças mentais ou outras forças incontroláveis.
Veronica, a jornalista que se torna amante de Brundle, simboliza a compaixão e o sacrifício humano. Sua luta para salvar Brundle, apesar da deterioração grotesca, representa a luta universal de amar e cuidar de alguém que está mudando de forma irreconhecível. Sua dor e desespero são palpáveis, destacando o custo emocional de assistir impotente à destruição de um ente querido.
Por fim, a metamorfose de Brundle é uma representação visual do conceito filosófico de que a natureza humana é mutável e frágil. Cronenberg utiliza o horror corporal para explorar a ideia de que a essência humana pode ser alterada de maneiras imprevisíveis e irreversíveis, levantando questões sobre o que significa ser humano e até onde podemos ir na busca de transcendência.
Diretor
David Cronenberg, diretor de “A Mosca” (1986), é amplamente reconhecido como um mestre do horror corporal e da ficção científica. Nascido em 15 de março de 1943, em Toronto, Canadá, Cronenberg desenvolveu uma carreira notável marcada por filmes que exploram as fronteiras entre o corpo e a mente, o humano e o monstruoso.
Cronenberg começou sua carreira no final dos anos 1960 e início dos anos 1970, dirigindo filmes experimentais e de baixo orçamento. Seus primeiros trabalhos, como “Stereo” (1969) e “Crimes of the Future” (1970), já mostravam seu interesse em temas de transformação corporal e sexualidade. No entanto, foi com filmes como “Shivers” (1975) e “Rabid” (1977) que Cronenberg começou a ganhar notoriedade, estabelecendo-se como um diretor inovador no gênero do horror.
O estilo único de Cronenberg é caracterizado por uma abordagem clínica e, ao mesmo tempo, visceral ao horror. Ele é conhecido por sua capacidade de combinar elementos de terror físico com uma exploração profunda de temas psicológicos e filosóficos. Seus filmes frequentemente abordam a relação entre o corpo e a mente, a identidade e a tecnologia, e as fronteiras do que significa ser humano.
A abordagem de Cronenberg à direção é meticulosa e detalhista. Ele é conhecido por sua habilidade em criar uma atmosfera tensa e claustrofóbica, utilizando enquadramentos apertados e uma iluminação sombria. Em “A Mosca”, essa abordagem é evidente nas cenas do laboratório de Brundle, que se tornam cada vez mais caóticas e desorganizadas à medida que a transformação do personagem avança.
Além de “A Mosca”, Cronenberg dirigiu outros filmes notáveis que exploram temas semelhantes. “Videodrome” (1983) é uma exploração perturbadora da influência da mídia na mente humana, enquanto “Dead Ringers” (1988) lida com a relação entre dois irmãos gêmeos e a obsessão pela perfeição física. Nos anos 2000, Cronenberg continuou a explorar novos territórios com filmes como “A History of Violence” (2005) e “Eastern Promises” (2007), que, embora mais convencionais em termos de gênero, ainda carregam a marca de sua visão singular.